
Desde a Antiguidade, as bebidas alcoólicas fazem parte de diversas comemorações sociais e religiosas. No Cristianismo, elas aparecem no rito sagrado da Eucaristia, quando Jesus compartilhou com seus discípulos o pão e o vinho. Já na mitologia grega, era simbolizada pela figura de Dionísio, exaltado como o deus do vinho e da fertilidade. Bebe-se para festejar, perder a timidez, curar uma desilusão amorosa ou por outras justificativas. Contudo, o consumo em momentos esporádicos vem aumentando. A primeira dose é duplicada ... e o desejo torna-se habitual.

Ele ataca o sistema nervoso, causando alucinações, delírios, alterações de humor e distúrbios de ansiedade, afetando a sexualidade e o sono”, enumera o psicanalista do Centro de Atendimento Toxicológico da Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Toxcen), Ítalo Campos. O hábito de beber também pode ser desencadeado por fatores culturais ou pelo incentivo da família. De acordo com Ítalo, não há comprovação de hereditariedade. Porém, os filhos copiam o modelo dos pais e passam a repeti-lo desde cedo, o que é bastante prejudicial ao mecanismo cerebral ainda em formação. Apesar desse dado alarmante, há também o outro lado da moeda. Muitos filhos de alcoólatras, ao verem seus pais se destruírem por causa da bebida, passam a ter aversão a ela.
Este é o caso do estudante de enfermagem F.G.P., 27 anos, que consegue manter-se longe do álcool mesmo com a pressão dos amigos nas baladas. O comportamento dele deve-se ao fato de ter um exemplo negativo dentro de casa: sua mãe é refém da ingestão de cachaça desde a infância. “Só de sentir o cheiro tenho enjoo. Não consigo imaginar como uma pessoa pode conduzir anos de sua vida à base de álcool. Saio, me divirto e nunca senti necessidade de beber para estar feliz”, disse. Sem a falsa ilusão de bem-estar criada pelo consumo de bebidas alcoólicas, o estudante mantém seu ciclo de relacionamentos e respeita a escolha de cada um de seus colegas. Leva a vida com qualidade e opta sempre por sucos e drinques sem álcool para hidratar-se durante uma noite de badalação.

De acordo com o psicanalista, essa atitude saudável multiplica os anos de vida e evita danos sérios à saúde física e psicológica. “Ser refém do álcool não é a melhor maneira de encarar os problemas, pois a pessoa se esquiva, provisoriamente, de uma dor e cria outra, ainda mais difícil de curar”, conclui. Diagnóstico Para o diagnóstico do alcoolismo, é necessário avaliar três parâmetros: dependência, tolerância e abstinência. A primeira vem do forte desejo pelo álcool; a tolerância, pela necessidade de doses ainda maiores para atingir a embriaguez; e a última gera sintomas como tremores, suor frio e agitação quando o uso do álcool é interrompido ou diminuído. A pessoa que apresenta esses três critérios na avaliação médica precisa de tratamento imediato que, muitas vezes, tem desdobramentos clínicos e psiquiátricos.
“Quando o álcool torna-se um objeto que parece dar sentido à vida, é preciso ligar o alerta de risco! Tê-lo como parte indispensável do cotidiano é passaporte para o fundo do poço”, frisa Ítalo. Diante de um diagnóstico de alcoolismo, a família, amigos e gestores no trabalho podem contribuir para o bem-estar do dependente dando carinho, atenção e oferecendo tratamento. Ser permissivo com o uso dessa droga e alienar-se, fingindo que o problema não existe, pode ser fatal para o alcoólatra. Tolerância e dependência Prazer e “refúgio” são pontos que desencadeiam o desejo de beber. É típico do ser humano querer repetir, por diversas vezes, algo que mesmo provisoriamente lhe proporcione conforto ou mascare um problema que cause incômodo. A busca constante pelo álcool obedece a esses dois mecanismos, reforço positivo e negativo.

De início, a pessoa vai ao encontro do prazer que a bebida proporciona, depois entrega-se a esse falso bem-estar e, posteriormente, não consegue mais frear o consumo, por causa dos sintomas da abstinência. Para tentar diminuir os efeitos da necessidade do álcool, o redator E.S., 50 anos, precisa tomar pela manhã de duas a três doses de cachaça. Dependente de bebidas desde os 11 anos de idade, ele sofre com fortes tremores pelo corpo. “Comecei a beber ainda criança e sempre tive consci- ência do meu problema. Necessito do álcool a todo instante.
Sem ele, não consigo sair do lugar. Essa dependência, insuperável, me tirou família, filhos e amigos”, lamenta. Desde o primeiro gole, oferecido por uma colega de escola, E.S. não conseguiu mais parar de beber. Ele chega a consumir uma garrafa de cachaça por dia e, para viver, conta apenas com a paciência dos poucos amigos que lhe restam. Segundo Ítalo Campos, a dependência é simultânea à tolerância. Sua intensidade está ligada ao controle do uso por parte da pessoa que consome o álcool. Por isso, é preciso estar atento aos primeiros sinais de abstinência, para não deixar que o vício ganhe espaço. Tratamento As alternativas de tratamento para a dependência do álcool são múltiplas e podem englobar indicação de medicamentos e psicoterapias.
Para dar o primeiro passo, é preciso que o alcoólatra reconheça o vício, já que na maioria dos casos esse é o grande entrave para o controle do hábito de beber. O psicanalista explica que os tipos de estratégias usadas no tratamento variam de acordo com o paciente e que identificar precocemente o problema ajuda a preservar a vida. “Agentes de saúde bem treinados para identificar casos não declarados de alcoolismo são indispensáveis para minimizar esse problema de saúde pública, que traz consequências drásticas à sociedade de forma geral”, completa. Foi com muita força de vontade que a escrevente RMD, de 49 anos, superou o hábito de beber, iniciado ao frequentar a noite como forma de fugir da tristeza do fim de um casamento de 10 anos.

“Deus me fez ver que beber não acaba com a dor de ninguém. Percebi que não tinha apenas um marido e passei a cuidar melhor dos meus familiares. Foi nessa nova relação que encontrei minha real felicidade”, revela. Deixar o orgulho de lado e buscar um especialista que possa indicar o tratamento adequado é a maneira certa de sair do labirinto que é o consumo do álcool. Afinal, não existe possibilidade de viver feliz tendo impregnado em si algo que destrói, corrompe e tira o sossego. Ser feliz é ter saúde, estar bem consigo mesmo e com o próximo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário